terça-feira, 31 de julho de 2012

Lampião - bandido ou justiceiro?

O crime sempre foi estudado por antropólogos e cientistas, para que se tente descobrir o porque de existirem seres humanos com tendências criminosas. Para alguns, a tendência para o crime é inata, ou seja, já se nasce com o instinto para praticar atos perversos. Para outros, um ser humano nasce sem nenhuma predisposição para o crime, e se comete crimes, é devido aos acontecimentos por que passa durante a vida.
Segundo este segundo conceito, seria possivel regenerar bandidos. 
Eu particularmente acredito que exista uma tendência inata para a agressividade em alguns seres humanos. Se isso se concretizará como prática de crimes ou não, nesse caso talvez haja a influência do meio em que o individuo cresceu e se formou. Acredito firmemente que a educação e a criação influem decisivamente na personalidade da criança, pois há crianças de indole calma e outras agressivas desde pequenas, o que mostra que há uma tendência inata para isso. Mas que pode ser "domada" e "educada" pelos pais.


Minha avó Zezinha (Maria José Braga Arruda), pernambucana, era uma adolescente na época em que o bando de Lampião perambulava pelo Sertão. Na mesma época, ela se encontrava uma vez no consultório de um dentista em Pernambuco, no momento em que foi invadido por Antonio Silvino - outro cangaceiro famoso da época. Segundo ela, Silvino teria lhe dito que "era a mais linda morena que eu já vi nesse sertão". Ele se consultou com o dentista e foi embora sem fazer nada demais. 

Eu ainda criança, ouvi da boca de minha avó Zezinha os relatos aterrorizantes e fascinantes daqueles tempos. Ela chegou a visitar uma das exposições das cabeças do bando de Lampião, e guardava uma foto em casa, que chegou a mostrar para mim. Aos que ainda não sabem, as cabeças de Lampião, Maria Bonita e seus comparsas, foram cortadas assim que eles foram mortos pela volante (grupo móveis de policiais) do comandante João Bezerra. As cabeças ficaram expostas durante mais de 30 anos em várias cidades brasileiras do Sul e Nordeste. 

Dona Zezinha faleceu em 2005, e todos os seus pertences ficaram com outros parentes com quem não tenho mais contato. Quanto aos relatos sobre os cangaceiros, estes ficaram guardados apenas em minha memória, que ainda consegue ouvir e sentir o sabor do sotaque pernambucano de minha avó contando sobre os cangaceiros, e como isso me fazia sentir a mesma estranha mistura de terror e fascinio que ela e todos os nordestinos da época sentiam, quando ouviam alguma voz avisando "Lampião tá chegando!". 

Para nós, que não vivemos aquela época naquele lugar, fica a dúvida sobre o porque de terem existido os cangaceiros. Ao mesmo tempo em que Lampião e seu bando cometeram estupros, torturas, saques, assassinatos, há relatos de que Lampião chegava em vilarejos pobres e dava festas para a população, distribuindo dinheiro (roubado de comerciantes e coronéis) para os camponêses pobres, e chamando-os para beber com ele.  

Segue abaixo o texto da pesquisadora Semira Adler Vainsencher da Fundação Joaquim Nabuco, contando a história de Lampião, o que gerou sua entrada no Cangaço, e a questão sobre o estudo que cientistas e pesquisadores fizeram com as cabeças de Lampião, Maria Bonita e os cangaceiros que foram mortos na emboscada final da policia contra o bando em Angicos, Sergipe, em 1938.  

  



Lampião (Virgulino Ferreira da Silva)

Semira Adler Vainsencher
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco


Conhecido como o rei do cangaço e o governador do sertão, Virgulino Ferreira da Silva nasceu no dia 7 de julho de 1897, na Fazenda Ingazeira, situada no município de Vila Bela (hoje, Serra Talhada), no sertão de Pernambuco. Foi o segundo filho de José Ferreira da Silva e de Maria Selena da Purificação. O seu nascimento, porém, só é registrado no dia 7 de agosto de 1900. Tinha como irmãos: Antônio, João, Levino, Ezequiel, Angélica, Virtuosa, Maria e Amália. Todos cresceram ouvindo e/ou presenciando estórias de cangaceiros, e Antônio Silvino lhes serve de exemplo maior.

Naquela época, o sertão quase não possuía escolas e estradas, viajava-se a pé, a cavalo, em burro e em jumento. Os denominados coronéis (os proprietários de terras) imperavam sob o peso da prepotência como os verdadeiros chefes políticos, sem nunca sofrer represálias porque a força do Estado estava sempre do seu lado. Neste sentido, eram eles que davam a palavra final, ou seja, elegiam, destituíam, perseguiam, condenavam, absolviam, torturavam e matavam.

Em períodos de crises econômicas, os coronéis recebiam ajuda do Poder Público. Isto era uma recompensa, um benefício recebido, por causa dos eleitores que controlavam mediante os "votos de cabresto" - aqueles votos fornecidos a um candidato, e garantidos pela palavra-de-ordem dos poderosos, que impõem nomeações e asseguram a hegemonia da classe política local, sem se importar com a competência profissional dos nomeados.

Apesar de muito inteligente, Virgulino abandona a escola para ajudar a família no plantio da roça e na criação de gado. Torna-se famoso nas vaquejadas. Gosta muito de dançar, de tocar sanfona, compõe versos e adora um rifle. Sabe costurar muito bem em pano e couro e confecciona as próprias roupas.

Ele tinha 19 anos quando entrou para o cangaço. Dizem que tudo começou através de disputas com José Saturnino, membro da família Nogueira e vizinha de terras. Lutando contra essa família durante muitos anos, Virgulino e seus irmãos já se comportavam como futuros cangaceiros, não tardando a entrar em conflito com a polícia. A decisão de viver e morrer como bandido, contudo, só foi tomada, mesmo, quando a polícia mata José Ferreira da Silva - o patriarca da família - enquanto ele debulhava milho.

Em um das primeiras lutas do bando, na escuridão da noite, Antônio (um dos irmãos Ferreira), espantado com o poder de fogo do rifle de Virgulino, que expelia balas sem parar e mais parecia uma tocha acesa, gritou o seguinte:Espia, Levino! O rifle de Virgulino virou um lampião! A partir desse dia, a alcunha do famoso cangaceiro passa a ser Lampião.

Virgulino consegue realizar seu maior sonho, com a intermediação doPadre Cícero Romão Batista: adquirir a patente de capitão, no Batalhão Patriótico do deputado Floro Bartholomeu, o batalhão das forças legais. Além de alimentar sua vaidade pessoal, a patente funcionaria como uma espécie de salvo-conduto, permitindo o bando circular pelas divisas dos estados do Nordeste.

Aproveitando aquela oportunidade, Virgulino solicita, também, para os companheiros Antônio Ferreira e Sabino Barbosa de Melo, os postos de 1o. e 2o. tenentes. Acatada a solicitação, os membros do bando abandonam as roupas costumeiras, vestem a farda de soldado e, como autoridades constituídas, passam a ter o dever - por mais irônico que isto possa soar -, de defender a legalidade e proteger a população nordestina.

Tudo isso foi redigido pelo Padre Cícero e assinado, a pedido deste, no dia 12 de abril de 1926, pelo engenheiro-agrônomo do Ministério da Agricultura, Dr. Pedro de Albuquerque Uchoa. Feliz da vida aos 28 anos de idade, o jovem Capitão Virgulino reúne a família para tirar fotografias.

Oficialmente, ele recebe a missão de combater a Coluna Prestes - um grupo de comunistas liderados por Luís Carlos Prestes -, grupo que vinha percorrendo o País durante o governo do presidente Artur Bernardes. No entanto, após se distanciar uns 6 quilômetros de Juazeiro, Lampião decide se embrenhar na caatinga, em busca de combates mais lucrativos, deixando para trás o prometido a Padre Cícero e as responsabilidades para com o Estado. E os soldados do governo foram chamados de "macacos", porque saíam pulando quando avistavam os cangaceiros.

No bando de Lampião tinha indivíduos de todos os tipos: gordos, magros, ruivos, louros, morenos, altos, baixos, negros e caboclos. Alguns, inclusive, eram jovens demais: Volta Seca (11 anos), Criança (15 anos), Oliveira (16 anos). O mais idoso era Pai Velho, com 71 anos de idade.

Lampião arranjava, facilmente, armamentos e munições, mas, como o fazia, era um segredo que não contava a ninguém. Uma parte das armas automáticas, para combater a Coluna Prestes, foi adquirida através do Deputado Floro Bartholomeu e do Padre Cícero. Os demais armamentos do bando foram arranjados mediante a intervenção de amigos.

Um acidente provocado pela ponta de um pau cega o olho direito do Capitão Virgulino, um órgão que, anteriormente, já se apresentava problemático devido à presença de um glaucoma. Enxergando com um olho, apenas, Lampião se vê obrigado a ficar sempre enxugando, com um lenço, as lágrimas que pingam do olho vazado. A despeito dessa deficiência, ele nunca deixou de ser um excelente estrategista.

NOTA DO DONO DESTE BLOG: Segundo outros documentos, não foi um acidente com a ponta de um pau que deixou Lampião cego de um olho, e sim ao ser atingido neste olho pelo espinho de um cacto baleado durante uma troca de tiros contra policiais, quando reagia após ver seu irmão mais novo - Livino - ser baleado e morto pelos policiais.

Dizem que foi uma brincadeira de mau gosto da família Ferreira (o corte da cauda de alguns animais) a gota d’água que desencadeou uma afronta irreparável com o fazendeiro José Saturnino, proprietário das terras vizinhas e membro da família Nogueira. Sendo mais numerosos e tendo o apoio do governo, essa família termina por expulsar os Ferreira de suas terras.

A partir de 1917, Virgulino e a sua família passam a conviver com intensos tiroteios e emboscadas, não podendo morar em um lugar específico: são obrigados a vagar pelo sertão e levar uma vida de nômades.

Em meio às lutas e fugas, falece Dona Maria Selena, no Engenho Velho. E, no início de agosto de 1920, o patriarca da família - José Ferreira - é fuzilado pela volante do sargento José Lucena, enquanto debulhava milho. Naquele mesmo dia, então, os Ferreira fazem um juramento: o seu luto, até a morte, iria ser o rifle, a cartucheira e os tiroteios.

Quando sabia da existência de um coronel perverso, Lampião não perdia a oportunidade de queimar-lhe as fazendas e matar-lhe o gado. Nas incursões em vilas e povoados, o grupo saqueava, dizimava e matava. As violências cometidas pelo bando eram inúmeras: tatuagem a fogo, corte de orelha ou de língua, castração, estupro, morte lenta, entre outras. Muitos habitantes abandonavam definitivamente as suas propriedades, tornando desertas as caatingas, já que elas estavam entregues a soldados e cangaceiros.

Virgulino Ferreira era bastante impulsivo. Às vezes, passavam-se meses sem se ouvir falar nele, pensando-se, inclusive, que tinha morrido. Mas, de repente, ele surgia do nada com o seu bando, como um tremendo furacão, lutando contra as volantes, incendiando fazendas, roubando e matando com a maior naturalidade. Em algumas ocasiões, seus gestos eram generosos: confraternizava com as pessoas, organizava festas, distribuía dinheiro, pagava bebida para todos.

Em uma de suas paradas para descansar, perto da Cachoeira de Paulo Afonso, conheceu Maria Déia, filha de um fazendeiro de Jeremoabo, na Bahia. Há cinco anos ela era casada com José de Nenén - um comerciante da região - mas nutria uma paixão platônica por Lampião, mesmo sem nunca tê-lo encontrado.

Alguns afirmam que foi a própria mãe de Maria Déia que segredou a Lampião sobre essa paixão. Já outros dizem que foi Luís Pedro - integrante do bando - que insistiu para o rei do cangaço conhecê-la. Na realidade, o fato é que Virgulino caiu de amores ao vê-la. E, impressionado com a sua beleza, passou a chamá-la de Maria Bonita.

Em vez de três dias, ficou dez na Fazenda Malhada da Caiçara. Com a concordância dos pais, que apoiavam o desejo da filha, Maria Déia coloca as suas roupas em dois bornais, penteia os cabelos, despede-se para sempre do marido, e parte com Lampião rumo à caatinga. Era o ano 1931 e ela tinha 20 anos.

Pouco tempo depois, Maria Bonita engravida e sofre um aborto. Mas, em 1932, o casal de cangaceiros tem uma filha. Chamam-na de Expedita. Maria Bonita dá à luz no meio da caatinga, à sombra de um umbuzeiro, em Porto de Folha, no estado de Sergipe. Lampião foi o seu próprio parteiro.

Como se tratava de um período de intensas perseguições e confrontos, e a vida era bastante incerta, os pais não tinham condições de criá-la dentro do cangaço. Os fatos que ocorreram viraram um assunto polêmico porque uns diziam que Expedita tinha sido entregue ao tio João, irmão de Lampião que nunca fez parte do cangaço; e outros testemunharam que a criança foi deixada na casa do vaqueiro Manuel Severo, na Fazenda Jaçoba.

O Capitão Virgulino adora ser fotografado e filmado. Neste sentido, consente que Benjamim Abraão, um fotógrafo libanês, conviva durante meses com o seu bando e colete muito material sobre o cangaço. Esse fotógrafo, contudo, é assassinado por um coronel, e grande parte do seu acervo é destruída.

Maria Bonita sempre insistia muito para que Lampião cuidasse do olho vazado. Diante dessa insistência, ele se dirige a um hospital na cidade de Laranjeiras, em Sergipe, dizendo ser um fazendeiro pernambucano. Virgulino tem o olho extraído pelo Dr. Bragança - um conhecido oftalmologista de todo o sertão - e passa um mês internado para se recuperar. Após pagar todas as despesas da internação, ele sai do hospital, escondido, durante a madrugada, não sem antes deixar escrito, à carvão, na parede do quarto:

Doutor, o senhor não operou fazendeiro nenhum. O olho que o senhor arrancou foi o do Capitão Virgulino Ferreira da Silva, Lampião.

Além das emboscadas planejadas para liquidá-lo, cabe ressaltar que Lampião conseguiu sobreviver ao veneno e ao fogo. Do primeiro, contou com a dosagem fraca que lhe deu, somente, um inconveniente desarranjo intestinal; do segundo, apesar de chamuscado, conseguiu escapar pulando. Mas foi ferido à bala diversas vezes.

Excetuando-se João, todos os irmãos de Virgulino morreram antes dele. Em 1926, Antônio foi morto em Serra Talhada, no encontro com uma volante pernambucana. Uma outra volante desse mesmo estado matou Levino Ferreira. O último a falecer foi Ezequiel, gravemente ferido pela polícia de Sergipe. Mas, quando Lampião percebeu que seu irmão estava se ultimando e sofrendo, saca do próprio revólver e dispara um tiro de misericórdia bem em cima de sua testa.

Em uma outra luta contra a volante pernambucana, na vila de Serrinha, próximo a Garanhuns, Maria Bonita foi baleada. Como estava perdendo muito sangue, Lampião deu ordem para encerrar a luta imediatamente: pega a amada nos braços e segue rumo ao município de Buíque, onde ela é tratada na vila de Guaribas.

Vale deixar registrado que o bando de Lampião resistiu durante quase 20 anos, brigando com grupos de civis que o perseguiam e com a polícia de 7 estados nordestinos. Por todo esse tempo, assaltou propriedades de grandes fazendeiros, atacou povoados, vilas e cidades, roubou, pilhou, torturou e matou os seus adversários.

Apesar de ter sido baleado nove vezes, Lampião sobreviveu a todos os ferimentos, sem contar com qualquer tipo de assistência médica formal. Naquela época, desconheciam-se os antibióticos e as sulfas. Para estancar o sangue e curar os ferimentos, por exemplo, usavam-se mofo, pó de café e, até, excrementos de gado. Eram usadas, ainda, ervas medicinais e rezas dos curandeiros, que nem sempre funcionavam como se esperava. Um ferimento em seu pé, neste sentido, condenou Virgulino a mancar para o resto da vida.

Extremamente jeitoso, além de dotado de grande capacidade de improvisação, era o Capitão Virgulino que fazia os curativos, encanava pernas e braços quebrados dos feridos e fazia os partos das mulheres dos cangaceiros. Super dotado de inteligência, ele era médico, farmacêutico, dentista, vaqueiro, poeta, estrategista, guerrilheiro, artesão. Desconfiado, só ingeria algo depois que alguém tivesse provado o alimento. Por outro lado, só entregava o dinheiro após ter recebido a mercadoria. Entretanto, não conseguiu se livrar da traição dos falsos amigos.

No dia 27 de julho de 1938, conforme o costume de anos a fio, o bando acampou na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, esconderijo tido por Lampião como o de maior segurança. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. Na madrugada do dia 28, a volante chegou tão de mansinho que nem os cães pressentiram. Quando um dos cangaceiro deu o alarme, já era tarde demais.

Não se sabe ao certo quem os traiu. Entretanto, naquele lugar mais seguro, segundo a opinião de Virgulino, o bando foi pego totalmente desprevenido. Quando os policiais do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva, abriram fogo com metralhadoras portáteis, os cangaceiros não puderam empreender qualquer tentativa viável de defesa.

O ataque durou uns vinte minutos e poucos conseguiram escapar ao cerco e à morte. Dos 34 cangaceiros presentes, 11 morreram ali mesmo. Lampião foi um dos primeiros a morrer. Logo em seguida, Maria Bonita foi gravemente ferida. Alguns cangaceiros, transtornados pela morte inesperada do seu líder, conseguiram escapar. Bastante eufóricos com a vitória, os policiais saquearam e mutilaram os mortos. Roubaram todo o dinheiro, o ouro, e as jóias.

A força volante, de maneira bastante desumana, decepa a cabeça de Lampião. Maria Bonita ainda estava viva, apesar de bastante ferida, quando sua cabeça foi degolada. O mesmo ocorreu com Quinta-Feira e Mergulhão: tiveram suas cabeças arrancadas em vida.

Feito isso, salgaram os seus troféus de vitória e colocaram em latas de querosene, contendo aguardente e cal. Os corpos mutilados e ensangüentados foram deixados a céu aberto para servirem de alimento aos urubus. Guardadas as devidas proporções, após ter passado, praticamente, cento e cinqüenta anos da Revolução Francesa, os brasileiros retrocederam ao século XVIII, decepando cabeças como fizeram com Luís XVI e Maria Antonieta.

Percorrendo os estados nordestinos, o coronel João Bezerra exibia as cabeças - já em adiantado estado de decomposição - por onde passava, atraindo uma multidão de pessoas. Primeiro, os troféus estiveram em Maceió e, depois, foram ao sul do Brasil.

No Instituto de Medicina Legal de Maceió, as cabeças foram medidas, pesadas, examinadas, pois os criminalistas achavam que um homem bom não viraria um cangaceiro: este deveria ter características sui generis. Ao contrário do que pensavam alguns, as cabeças não apresentaram qualquer sinal de degenerescência física, anomalias ou displasias, tendo sido classificados, pura e simplesmente, como normais.

Do sul do País, apesar de se encontrarem em péssimo estado de conservação, as cabeças seguiram para Salvador, onde permaneceram por seis anos na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia. Lá, tornaram a ser medidas, pesadas e estudadas, na tentativa de se descobrir alguma patologia. Posteriormente, os restos mortais ficaram expostos no Museu Nina Rodrigues, em Salvador, por mais de três décadas.

Durante muito tempo, as famílias de Lampião, Corisco e Maria Bonita lutaram para dar um enterro digno aos seus parentes. O economista Silvio Bulhões, em especial, filho de Corisco e Dadá, empreendeu muitos esforços para dar um sepultamento aos restos mortais dos cangaceiros e parar, de vez por todas, essa macabra exibição pública. Segundo o depoimento do economista, dez dias após o enterro do seu pai violaram a sepultura, exumaram o corpo e, em seguida, cortaram-lhe a cabeça e o braço esquerdo, colocando-os em exposição no Museu Nina Rodrigues.

O enterro dos restos mortais dos cangaceiros só ocorreu depois do projeto de lei no. 2867, de 24 de maio de 1965. Tal projeto teve origem nos meios universitários de Brasília (em particular, nas conferências do poeta Euclides Formiga), e as pressões do povo brasileiro e do clero o reforçaram. As cabeças de Lampião e Maria Bonita foram sepultadas no dia 6 de fevereiro de 1969. Os demais integrantes do bando tiveram seu enterro uma semana depois.

Virgulino morreu aos 41 anos de idade. No entanto, contabilizando-se os riscos enfrentados durante 20 anos de cangaço, a alimentação incerta, as emboscadas, os ferimentos, a falta de assistência médica, entre outros, pode-se afirmar que o rei do cangaço viveu mesmo muito tempo. Vale registrar, por outro lado, que Lampião e Maria Bonita possuem parentes próximos em Aracaju: sua filha, Expedita, casou com Manuel Messias Neto e teve quatro filhos (Djair, Gleuse, Isa e Cristina).

Por fim, a grande inteligência de Virgulino Ferreira da Silva, bem como o seu valor como estrategista valem a pena ser ressaltados. Mais de sessenta anos após sua morte, ele continua sendo lembrado na música, na moda, naliteratura de cordel, no teatro, no cinema, em escolas, em museus, em conferências e debates. O temido cangaceiro, indubitavelmente, o mais importante e carismático de todos, deixou gravado nas caatingas sertanejas um pedaço da história do Nordeste do Brasil.

Recife, 24 de julho de 2003.
(Texto atualizado em 19 de março de 2008).

Fonte: VAINSENCHER, Semira Adler. Lampião (Virgulino Ferreira da Silva). Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar. Acesso em: 31 Jul 2012

domingo, 29 de julho de 2012

Recordações de uma criança em Copacabana

Rio de Janeiro em 1973 (filme)


Eu comecei a frequentar a praia de Copacabana lá por 1975/1976, uns 2 anos depois desse filme, logo depois que minha mãe se separou do meu pai e abandonou o apartamento da Tijuca onde moravamos com ele.

Minha mãe me levou para morar com a minha avó em um conjugado na Rua Siqueira Campos em Copacabana, e elas tinham o hábito de todo santo dia irem para a Praia de Copacabana. Ficavam no minimo umas 4 horas torrando no sol.

Eu nunca gostei de sol nem de calor, mas quando a gente é criança, não tem muito direito de escolha. Então eu tinha que ir com elas. Por isso, dos 4 aos 9 anos eu era um verdadeiro garotão de praia: super-bronzeado, o maior pegador de onda, e até jogava (muito mal) futebol  com uns garotos na areia (o que eu detestava, porque na praia eu só gostava mesmo era de ficar mergulhando na água).   

Me lembro que o mar era bem mais bravo assim como está aparecendo no filme, e a gente tinha mesmo que sair correndo com barraca, esteira e tudo na mão porque a onda as vezes vinha invadindo a areia com toda força, carregando tudo que estivesse pela frente. Uma dessas vezes eu tinha uns 6 anos, uma dessas ondas me arrastou da areia e quase morri afogado. Hoje em dia o mar em Copacabana é bem mais calmo.

Na verdade, a areia da praia de Copacabana era muito mais estreita que hoje. Eu não peguei essa época, mas meu pai me contava que a Avenida Atlântica só tinha uma pista, e as ondas batiam muito menos longe da calçada. 

No final da década de 60, Negrão de Lima, o governador do Rio de Janeiro (ou melhor, do estado da Guanabara, que era o nome do estado do Rio na época) autorizou a duplicação  das pistas da Avenida Atlântica, e aterraram a Praia de Copacabana do Leme ao Posto 6.
As obras começaram em 1969 e foram até 1971 (a foto acima foi tirada durante o período do aterramento, vejam como ainda só havia uma pista de duas mãos na Avenida Atlântica).  O aterramento foi feito para deter as ressacas frequentes que invadiam o calçadão e a Avenida. Também construíram, embaixo das pistas da Avenida Atlântica, o Interceptor Oceânico da Zona Sul, para resolver o problema dos esgotos desta região. O alargamento da praia foi de cerca de setenta metros de largura ao longo de toda sua extensão de quatro quilômetros.

O meu pai dizia que era por causa desse aterramento que o mar de Copacabana ficou tão bravo e perigoso, porque antes, quando o mar ia até perto da calçada, as águas eram bem mais calmas. Ficou bravio porque a areia passou a ir até a faixa de arrebentação das ondas, que antes eram lá longe, distante da beira d'água.    

Quanto ao esgoto, o que eu me lembro quando eu ia na praia na década de 70, eram de umas linguas negras saindo de grandes tuneis retangulares do calçadão, e que desembocavam no mar. Era feio de se ver, pareciam uns rios com água preta, as vezes cheirando a esgoto...eu ficava com medo de mergulhar no mar perto da desembocadura dessas linguas negras, pois eu ficava imaginando que devia ser cheia de micróbios e doenças, e que os micróbios deviam ficar nadando por ali por perto de onde a lingua desembocava na arrebentação....

Mas na década de 80 finalmente fecharam esses túneis e acabou esse negócio de lingua negra em Copacabana.      

No final da década de 80, finalmente construiram a ciclovia. Bom, isso foi a 20 anos. Mas até hoje, a ciclovia não passou da orla. Repito o protesto do meu ultimo post: porque ciclovia só na Zona Sul?    

domingo, 8 de julho de 2012

Rio de Janeiro é só Zona Sul?




Abaixo, transcrevo um artigo escrito por um leitor do Jornal O Globo e publicado pelo mesmo jornal. 
Concordo com tudo que o leitor escreve. É a explicação de como se manipula a imagem da cidade para parecer que ela é só Copacabana, Ipanema, Leblon e Barra. Porque só existe ciclovia na orla? As pessoas que moram na Zona Norte, em Jacarepaguá, na Ilha, Campo Grande, Santa Cruz...não precisam de ciclovia?
Justamente os bairros mais pobres são os que mais precisam de ciclovias ligando-os ao Centro, que é aonde a maioria dos seus habitantes trabalham. Assim não seriam mais obrigados a pegar (nem pagar) ônibus ou trens superlotados todo dia nem enfrentarem engarrafamentos gigantes na Avenida Brasil (a foto acima foi tirada em uma rua da China, onde milhões de habitantes usam todo dia a bicicleta como principal meio de transporte)   

SEGUE O ARTIGO:

'Rio, a capital da bicicleta?'


Existem umas coisas assim, inventadas num de repente, que me dão um susto. Como o Rio pode ser, ou passar a ser, assim numa frase e num instante, a "capital da bicicleta"? Como posso não me espantar? Logo eu, um ciclista insistente que usa a bicicleta para se deslocar umas vezes por necessidade, outras por lazer em fim de semana, e sempre passo por situações bastante arriscadas e muito perigosas. Como posso crer que isso vai seguir adiante e num milagre passarei a pedalar pela capital da bicicleta? Se o Rio vai passar a ser a capital da bicicleta, vê-se por aí que ninguém sabe e ninguém foi avisado.
Primeiro vamos considerar Rio de Janeiro como um todo, ou só se governa para a Orla da Zona Sul? Nosso Rio tem Botafogo, Bairro de Fátima, Centro, Tijuca, Méier, Madureira, São Cristóvão... E digo uma coisa: andar de bicicleta por esses bairros, como ando às vezes, é uma loucura.
Se a administração da cidade quiser, imagino que num prazo de 5 anos se obterá algum resultado positivo e real nessa direção e com custo baixo, mas serão necessário primeiro uns anúncios na mídia educando motoristas a respeito, porque o caso não são só os ciclistas e sim os motoristas, principalmente os dos ônibus (para variar...). Esses passam por mim a 20 cm sem diminuir a velocidade em nada. E ai do ciclista que cometer um erro nessas horas. É muitíssimo arriscado, só se gostando muito de andar de bicicleta.
Andar pelas calçadas ou pelas beiras da pista? Não é permitido andar de bicicleta pelas calçadas, mas é o que se faz na maioria das vezes, com o máximo de cuidado possível, já que pelas ruas é loucura absoluta. Muito arriscado, não recomendo para ninguém.
A prefeitura faz obras e obras e nenhuma ciclovia pela Zona Norte. Agora mesmo refez grande parte da calçada colada ao metrô da Praça da Bandeira e poderia muito bem iniciar a implantação de uma ciclovia junto à linha do trem que iria do Centro aos bairros do subúrbio. Refizeram todas as calçadas da Tijuca, na ruas Uruguai e Conde de Bonfim, e poderiam implantar aí também uma ciclovia na beirada, e nada foi feito. A estrada que vai de Cabo Frio a Búzios foi feita com uma ciclovia ao lado, apenas desenhada no chão e com sinalização, coisa baratíssima, e aqui no Rio nunca vi isso em nenhum lugar.
Portanto, gente, para o Rio ser capital da bicicleta só demos um passinho de nada, falta praticamente tudo. Abraços e boas pedaladas, mas com muito cuidado! 

Este artigo foi escrito por um leitor do Jornal O Globo.
Leia mais em http://oglobo.globo.com/ece_incoming/rio-capital-da-bicicleta-3036333#ixzz204qJBBSJ