quarta-feira, 12 de setembro de 2012

José Siqueira, o genial maestro da Paraíba




José Siqueira é um nome muito comum no Brasil. Quantos Josés Siqueiras voce já conheceu? Acredito que pelo menos um, nem que tenha sido só de nome. Por isso, talvez o José Siqueira compositor, maestro e um dos fundadores da Orquestra Sinfônica Brasileira talvez pareça apenas mais um nome comum para 99.9% dos brasileiros, que o diga dos estrangeiros.

Bom, eu me incluo nos 00,1% dos que conhecem não só o nome do José Siqueira maestro e compositor, mas também algumas obras sinfônicas deste genial paraibano que trouxe as paisagens e aromas do seu Nordeste para o repertório sinfônico.

José de Lima Siqueira nasceu em 1907 na cidade de Conceição, no desconhecido Vale do Piancó (desconhecido pelo menos por nós do Sul-Sudeste), em pleno sertão da Paraíba. Segundo o próprio compositor declarou, na pequena cidade não havia nem um piano. Ele só viu um piano pela primeira vez na vida quando saiu da sua pequena cidade natal. Quanto a isso, não mudou nada. Até hoje há centenas de vilarejos e cidadelas no Nordeste e em outras partes do Brasil que não tem um piano, violino, clarinete e nenhum outro instrumento "da elite". O maximo que pode se encontrar é um violãozinho furreca, e olhe lá.

Voltando a história de José Siqueira, como não tinha piano, o primeiro contato dele com a música foi com as bandas de sopros de cidades do sertão da Paraíba. Seu pai era mestre da banda Cordão Encarnado, que ensinou o filho a tocar diversos instrumentos como o saxofone e o trompete.

Em 1927 veio para o Sul Maravilha, mais especificamente para a capital do Brasil - na época o Rio de Janeiro. Na verdade ele não veio por causa da música, e sim porque era integrante das tropas recrutadas para combater a Coluna Prestes. Mas claro que a música sempre grita mais alto quando voce tem esta vocação dentro de si, não há como sufocar, e logo o jovem entrou na Banda Sinfônica da Escola Militar, como trompetista.

Isso me lembra a história de Rimsky-Korsakov, grande compositor russo e um dos maiores mestres de orquestração da história da música erudita. Quando jovem, Korsakov serviu na Marinha russa, e mesmo tendo seguido carreira militar, nunca deixou a música de lado.   

No Rio, José Siqueira construiu sua carreira de compositor e maestro. Foi professor da Escola de música da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fundou a Orquestra Sinfônica Brasileira em 1940. Também regeu nos Estados Unidos grandes orquestras como a Sinfônica da Filadélfia, Detroit, Rochester. Na França regeu a Orchestre Radio-Symphonique, de Paris, e em Roma, A Sinfônica de Roma.

Fundou também a Orquestra de Câmara do Brasil, Sociedade Artística Internacional, o Clube do Disco e a Ordem dos Músicos do Brasil.

Além de ter escrito um excelente tratado de orquestração (que tive oportunidade de ler na Biblioteca Nacional), José Siqueira compos de tudo: óperas, cantatas, concertos, oratórios, sinfonias, música de câmara, música de ballet, musica vocal, etc.



Somente agora nos ultimos anos, com a internet, está ficando mais fácil - ou eu diria menos impossivel - encontrar gravações de obras de José Siqueira. Mesmo assim, ainda é muito complicado encontrar gravações de algumas obras fundamentais do maestro, como o Carnaval no Recife (com um Frevo no final que é uma página clássica do repertório sinfônico brasileiro, mas que de forma ultrajante continua totalmente desconhecido e não executado), o oratório Xangô (foto acima da capa do LP), e a emblemática Toada para Cordas, esta talvez a única obra que é um pouco mais gravada por alguns quartetos e orquestras de cordas - assim mesmo muito raramente. Também quero mencionar um belíssimo Concerto para Orquestra, de Siqueira, que assisti na Sala Cecília Meireles em 1986 ou 87 (não me lembro exatamente o ano) sendo executado pela OSB regida pelo excelente maestro Norton Morozowski. Um concerto sem instrumento solista, só para a orquestra, dividido em movimentos, da mesma forma que a Overture, Scherzo e Finale de Schumann. Porém, pintado com belíssimas cores brasileiras, e uma orquestração simplesmente fascinante.         

Esse raro concerto eu assisti nos meus tempos de estudante de música, quando realmente voce não encontrava quase nada da música de José Siqueira sendo divulgado. Na verdade, só era possivel ouvir musicas de José Siqueira através da Rádio MEC FM, o verdadeiro baluarte de divulgação da música erudita no Brasil. Se não fosse a Rádio MEC, não haveria nada, absolutamente nada de José Siqueira e de outros compositores brasileiros sendo divulgados nos anos 70 e 80. 

Essa dificuldade em ouvir obras de José Siqueira em parte se deve a um fato político infeliz, pois o maestro foi mais uma vítima da famigerada perseguição que o governo brasileiro fazia contra os comunistas (como em vários outros países do mundo ocorria), e em 1969 - logo que o terrível AI-5 foi implantado pela ditadura - Siqueira foi aposentado "antecipadamente". 

Antes, em 1948, ele também já havia sido prejudicado por ser comunista: Arnaldo Guinle, aristocrata da familia dos fundadores do Copacabana Palace e patrono da Orquestra Sinfônica Brasileira, se indispôs com José Siqueira e conseguiu afastá-lo da direção da sociedade com apoio da "ala direita" da sociedade (conforme citado no artigo da wikipedia sobre a história da OSB).




Após sua "aposentadoria", e enquanto durou o regime militar, Siqueira não teria mais possibilidades de seguir sua carreira de músico no Brasil (e obviamente também nos Estados Unidos e outros países anti-comunistas) . A solução foi ir para a extinta União Soviética, onde regeu a Orquestra Filarmônica de Moscou (foto acima) e participou como jurado de grandes concursos de música internacionais. Os russos apoiaram o brasileiro e editaram boa parte de sua obra, garantindo sua preservação.

Siqueira faleceu no Rio em 22 de abril de 1985, exatamente quando o governo militar estava dando adeus ao poder. Um  dia antes, morria Tancredo Neves, o primeiro presidente civil desde 1964, por eleições diretas. Em seu lugar, José Sarney seria o primeiro presidente civil do Brasil após os "anos de chumbo" que calaram tantas vozes, inclusive a do genial maestro José Siqueira

Se voce quer conhecer mais sobre vida e obra de José Siqueira, sugiro que dê uma olhada no blog mantido pela neta do compositor, Mirella San Martini, que está fazendo um trabalho excelente de preservação da memória de seu avô. O blog traz sempre as novidades sobre concertos e atividades musicais relacionadas a José Siqueira e mais informações sobre vida e obra do maestro. O endereço do blog é http://maestrojosesiqueira.blogspot.com.br  

Victor Jara, um martír da música e da liberdade


Mural criado por mim para uma matéria sobre o cantor chileno Victor Jara, considerado um mártir da música, por ter sido torturado e morto pela ditadura chilena só por cantar músicas pela paz e pela justiça social, contra a miséria e a desigualdade. Foi preso com outras 3.000 pessoas acusadas de apoiarem o comunismo. Todas foram presas em um estádio, onde Jara escreveu um poema sobre o terror de estar vendo seus companheiros estudantes e professores da Universidade sendo torturados e mortos. Poucos dias depois, os soldados esmagaram suas mãos para que não pudesse mais tocar seu violão, e assassinado com 44 tiros. (1) Victor Jara, (2) soldados do Exército vigiando os presos no Estádio Nacional de Santiago, no Chile, (3) Soldados prendendo pessoas nas ruas do Chile, (4) Criança pobre catando comida no chão em favela no Chile, (5) Victor Jara cantando para crianças pobres em uma Favela no Chile, (6) O sanguinário ditador chileno Augusto Pinochet, que mandou o exército assassinar todos os opositores comunistas do seu governo, apoiado pelo governo dos Estados Unidos e da Inglaterra
____________________________________________________

ENGLISH: Victor Jara is a martyr of music. He was tortured and killed by Chilean dictatorship, just for his songs about peace and social justice. He was arrested with other 3,000 people accused of supporting communism. All them were jailed in a stadium where Jara wrote a poem of horror at seeing his comrades - University students and teachers - being tortured and killed in front of him.A few days later, soldiers smashed his hands so he could play no more his guitar, and killed him with 44 shots. (1) Victor Jara (2) Army soldiers guarding prisoners at the National Stadium of Santiago, Chile, (3) Soldiers arresting people on Chile' streets, (4) Poor Child picking up food on the floor in a Chilean slum (5) Victor Jara singing for poor children in a slum, (6) The bloody dictator Augusto Pinochet, who ordered the Chilean army to murder all his communist opponents. His government was supported by US and UK. (photomontage by Roberto Carelli for Pan Channel)

Não ande atrás de mim...


domingo, 9 de setembro de 2012

A Emília era racista?




Hoje fiquei pasmo ao ler a notícia do jornal "O Globo", de que o livro "Caçadas de Pedrinho" de Monteiro Lobato, iria ser levado a uma audiência no Supremo Tribunal Federal por ter sido denunciado como uma obra literária que incita o racismo. 

A denúncia foi feita pelo "técnico em gestão educacional" Antonio Gomes da Costa Neto à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em relação à trechos como os que se referem à personagem Tia Nastácia como "preta" (como “Lá é isso é — resmungou a preta, pendurando o beiço”). 

Na minha opinião, o senhor Antonio Gomes deveria procurar algo melhor para fazer - dentro das atribuições de sua função de técnico em gestão educacional - para valorizar mais as pessoas da raça negra, como por exemplo recorrer ao governo para que abra mais escolas e universidades em áreas carentes, por exemplo, onde parte significativa da população é negra e não tem acesso a boas escolas e universidades. 

Isso com certeza seria muito mais útil que ficar perseguindo um livro escrito há mais de 80 anos quando o modo de se referir aos negros era este mesmo, e isso não era racismo, era apenas o modo de falar. Até minha avó falava assim de seus conhecidos da raça negra, e não era falado como algo racista, era apenas a maneira habitual de se referir.

O que este senhor esta fazendo é um racismo ao contrário. Se fosse um personagem branco em que monteiro Lobato escrevesse “Lá isso é — resmungou a BRANCA, pendurando o beiço mais branco ainda" Isso teria então que ser denunciado como racismo contra os brancos, não?

Ou se fosse "Lá isso é - resmungou a CHINESA, apertando os olhos mais ainda do que já eram", isso é racismo contra os chineses, n'est pas?

No facebook, choveram comentários a este artigo do Globo, e um rapaz negro muito indignado, saiu postando várias mensagens apoiando que o livro fosse censurado, e que era racista mesmo, e alertou ameaçador: "racistas,  corram para as montanhas! O mundo ta ficando pequeno para vocês!!" 

Uma outra pessoa postou que os livros do "Sitio" fazem "uma defesa engajada das ideias eugenistas". Para quem não sabe, a eugenia foi um conceito criado pelo cientista inglês Francis Galton, que apregoava que a melhora da qualidade de uma determinada espécie poderia ser obtida através da seleção artificial dos indivíduos com as melhores qualidades físicas e mentais para que só fossem gerados filhos com as mesmas qualidades

Este conceito foi amplamente usado por para justificar as ações de extermínio ou esterilização de indivíduos considerados inferiores. O Nazismo usou e abusou deste conceito. Mas aqui no Brasil também houve uns espasmos dessa droga de ciência inútil. Em 1918 foi criada uma tal de "Sociedade Eugênica de São Paulo", e em 1931 o "Comitê Central de Eugenismo", que entre outras pérolas do racismo, apregoava "o fim da imigração de não-brancos", e "prestigiar e auxiliar as iniciativas científicas ou humanitárias de caráter eugenista que sejam dignas de consideração". Uma respeitada publicação oficial, a "Revista Brasileira de Enfermagem", apoiava as idéias eugenistas, mas era difícil distinguir até que ponto estes brasileiros eugenistas se referiam a "raças", ou apenas a indivíduos com doenças físicas ou mentais como "não desejáveis" para a procriação.    

Voltando à vaca fria, lá no post do Globo já estavam chovendo comentários taxando a censura ao livro de Lobato "ridícula", e alguns começando a reclamar do tal rapaz que apoiava a censura, o rapaz postou que " Só a classe media branca que chama o empregado negro de "neguinho" e pessoas de cabelo crespo de "cabelo ruim" vem aqui bravejar que (o livro de Monteiro Lobato) não é racista!!" 

Nessa hora eu não me contive e postei a seguinte pergunta para o rapaz: "então se chamar um empregado negro de "neguinho" é racista, então é racista também chamar um empregado loiro de 'alemão' ou 'russo' (como muita gente chama pessoas loiras)? O que me diz?"

O rapaz não respondeu, mas continuou discutindo com os outros que postavam impropérios contra ele e sua posição isolada de apoiar a censura do "Caçadas de Pedrinho".

Não nego que exista racismo no Brasil, claro que existe. Não tão forte e sectário quanto nos Estados Unidos, mas existe. Agora o que é ridículo nessa história é querer censurar um livro escrito há quase 100 anos, que faz parte da história da literatura brasileira, por uma "caça as bruxas racistas". Conheço muito bem os livros do Sitio do Picapau, não me lembro de ter visto nada racista ou eugenista. Ou então eu sou muito burro e nunca percebi que realmente a Dona Benta, a Narizinho, Emilia e o Visconde de Sabugosa viam a Tia Nastácia, o Saci e o Tio Barnabé como seres inferiores. Então vou pegar todos os livros do Sítio e ler tudo de novo pra ver se isso é verdade.

De repente eu pulei alguma frase eugenista dita pelo Visconde de Sabugosa. Como ele era o intelectual da estória, com certeza devia ser um admirador enrustido do Francis Galton. Antes ele tivesse voltado a ser um rélis sabugo de milho de novo. Assim servia de comida para o Rabicó e não saia por aí falando bobagens sobre a Tia Nastácia, coitada. 

Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2012/09/08/monteiro-lobato-no-banco-dos-reus-464280.asp